terça-feira, agosto 08, 2006

contos para tontos - revival

Todos os dias ele estava ali. Sentado na mesma mesa. Sozinho. Comia sempre sozinho. Todos os dias. Todas as refeições. Mas não tinha um ar triste ou solitário, infeliz ou abandonado. Pelo contrário. O seu olhar era vivo e atento. Observava tudo o que acontecia no café. Não perdia nada. A empregada de mesa que fazia olhinhos ao rapaz das entregas, enquanto puxava a camisola para baixo para mostrar o decote. O senhor velhinho que bebia três copinhos de aguardente antes de começar a trabalhar e mais dois no regresso a casa. Os meninos da rua que inventavam histórias e cambalhotas para conseguirem roubar os quadradinhos de chocolate que são servidos com o café. E ele estava lá, a observar. Não conversava com ninguém. Não fazia um comentário. Limitava-se a ver e absorver cada gesto, cada som, cada cheiro. Chegava pouco antes da hora do almoço, com o jornal dobrado na mão. Mas nunca o abria. Nem para disfarçar. Não chamava a empregada. Esperava pacientemente que o viessem atender. Esperava e observava. Sem pressas. Sem dar nas vistas. Depois, almoçava. O prato do dia, sempre o prato do dia. A empregada já sabia. Ele limitava-se a acenar afirmativamente para responder “à pergunta do costume”. Sem gosto ou desgosto, ele comia. Assim passava precisamente uma hora e quinze minutos. Naquele café. Naquela mesa. Depois vinha a noite e a hora de jantar. À hora do costume, às 19 horas e 45 minutos ele chegava. E era tudo igual. O mesmo jornal, a mesma mesa, a mesma cadeira, os mesmos olhos vivos e intrigantes. Ninguém parecia notá-lo. Ninguém se incomodava com aqueles olhos observadores e atentos que pareciam querer viver as nossas vidas. Mas eu notava. Eu via. Não que ele olhasse para mim mais do que para os outros. Pelo contrário, penso mesmo que me evitava. Talvez por eu saber. Talvez por eu ver. Não sei. O que via ele? Seria apenas curiosidade, ou era um escritor à procura de tema para os seus livros? Penso que não, pois nunca o vi a tomar notas. Dei por mim, várias vezes, a observá-lo compulsivamente enquanto tentava adivinhar o que o motivava. Seria polícia, detective, ladrão, gatuno... Queria perguntar-lhe mas não tenho coragem! Eu sou apenas uma peça do mobiliário do café, transparente que ninguém vê. Ele é um senhor. Bem vestido, bem parecido. Mas também, perguntar o quê? Porque olha, porque observa? O que procura? Procura algo? Porque não fala? Porque não conversa? Já nos conhece a todos!!! Já nos viu rir, já nos viu chorar! Fale connosco! Mas não tenho coragem! Quem sou eu?
Um dia, à hora do almoço ele não apareceu. Veio o jantar... mas ele não. Passaram-se dias, semanas. Ele não chegou. Ninguém notou?